Seleção de Bebês: a porta que talvez não devêssemos abrir
O que antes era ficção científica virou campanha publicitária. A Nucleus Genomics decidiu colocar “ranking de embriões” no centro do debate, oferecendo um software que compara mais de 20 embriões e analisa mais de 40 traços, de altura e QI a riscos de ansiedade e depressão. A pergunta que ninguém quer fazer, mas todos estão pensando, é simples: estamos mesmo preparados para escolher filhos como quem compara fichas técnicas de carros?
A ideia vende eficiência, previsibilidade e controle. Mas esconde algo maior: o início de um mercado onde as pessoas não consomem apenas produtos… consomem futuros possíveis. A promessa é sedutora. O risco é gigantesco. Porque, se hoje selecionamos embriões com base em saúde ou desempenho, o que impede que amanhã alguém ofereça “otimização estética”, “temperamento ideal” ou “perfis comportamentais sob medida”? A fronteira ética está ficando tão fina que atravessá-la pode se tornar involuntário.
Enquanto algumas startups querem brincar de “curadoria genética”, outras tomam um caminho mais sensato: usam IA para melhorar diagnósticos, personalizar tratamentos, antecipar doenças e ampliar acesso. Em vez de moldar pessoas, ajudam pessoas. Em vez de projetar filhos, projetam saúde. São duas visões completamente diferentes de futuro. Ambas tecnológicas, mas só uma delas parece alinhada com o que faz sentido socialmente.
O ponto é: não falta tecnologia. Falta responsabilidade. Biotecnologia é o setor que mais avança no mundo, mas é também o que mais flerta com zonas cinzentas. Se reguladores, empresas e sociedade aceitarem a lógica do “tudo é possível, então tudo é permitido”, abriremos um portal difícil de fechar. E, como sempre acontece com grandes revoluções, quem empurra a porta nem sempre é quem pagará o preço do que está do outro lado.
A genética humana está entrando na sua fase mais poderosa. A questão é: vamos usá-la para curar… ou para customizar? Porque, dependendo do caminho, o futuro pode ser brilhante. Ou profundamente inquietante.



