Imortalidade: as entrelinhas da conversa de Vladimir Putin e Xi Jinping
Um microfone aberto captou Vladimir Putin e Xi Jinping comentando sobre “transplantes contínuos de órgãos”, a possibilidade de “imortalidade” e a ideia de que pessoas possam viver até 150 anos neste século. Foi uma conversa breve, capturada pela TV estatal chinesa, mas confirmada por múltiplos veículos e pelo próprio Putin. Isso, óbvio, foi o suficiente para incendiar debates sobre ciência, política e poder em torno do tema da longevidade radical.
O episódio não é apenas uma excentricidade de bastidores. Ele revela um traço estratégico: líderes sem sucessão clara tendem a ver a longevidade como ativo de Estado, não só como meta pessoal. Tanto China quanto Rússia tratam biotecnologia e saúde como pilares de poder: a China desde o “Healthy China 2030” e o 14º Plano Quinquenal, que elevam biomedicina e ciência da vida a prioridades nacionais; a Rússia via um projeto batizado de “Novas Tecnologias de Preservação da Saúde”, lançado em 2024, com foco em rejuvenescimento celular, neurotecnologia e regeneração de órgãos.
Antes de tudo: o que a ciência realmente diz? Transplantes de órgãos salvam e prolongam vidas, mas não rejuvenescem o organismo nem abrem caminho direto para “imortalidade”. Especialistas em transplante foram claros ao contestar a ideia de que trocas repetidas de órgãos possam reverter o envelhecimento.
Em paralelo, há linhas de pesquisa promissoras e muito dinheiro tem sido investido nisso. Ainda assim, tudo isso está longe de comprovar extensão substancial de vida humana saudável. Por enquanto, parece algo mais excêntrico do que possível. Mas, sempre é bom lembrar, a tecnologia avança a passos largos.
Os investimentos estão escalando. No lado estatal, além das agendas chinesas e russas já citadas, fundações soberanas vêm financiando gerociência em escala: a saudita Hevolution anunciou mais de US$ 100 milhões em 2023 e declara meta de até US$ 1 bilhão/ano para ampliar “anos saudáveis de vida”.
As big techs e seus fundadores ajudam a definir a fronteira. O Google criou a Calico, cuja parceria com a AbbVie envolve até US$ 2,5 bilhões para atacar doenças associadas ao envelhecimento; o projeto segue discreto, mas é um dos maiores cheques da história nessa agenda.
Jeff Bezos financiou a Altos Labs, que estreou como talvez a startup de biotecnologia mais capitalizada de todos os tempos, uma “aposta de US$ 3 bilhões” para levar reprogramação celular ao mundo real.
Sam Altman, da OpenAI, colocou US$ 180 milhões para lançar a Retro Biosciences e, em 2025, a empresa buscava mais US$ 1 bilhão para acelerar fármacos que adicionem 10 anos à vida saudável, inclusive usando modelos de IA em colaboração com a OpenAI.
Peter Thiel há anos descreve a morte como “um problema a ser resolvido”, enquanto Elon Musk vocaliza a posição oposta: “é importante que morramos”, para evitar a estagnação social, evidenciando que até entre bilionários de tecnologia, não há consenso filosófico sobre a “vitória” contra a morte. Vale lembrar ainda o papel de Larry Ellison, fundador da Oracle, que já destinou cerca de US$ 430 milhões ao campo da biologia do envelhecimento.
O que as falas de Pequim revelam, então? Primeiro, uma corrida geopolítica implícita por “supremacia da longevidade”, um novo front da geopolítica, ao lado de semicondutores e IA. Segundo, uma tensão entre narrativas: promessas exageradas (“150 anos”, “imortalidade”) versus o estado real da arte, que é incremental, sujeito a riscos e a passos cuidadosamente regulados. Terceiro, um subtexto ético: quando líderes falam em transplantes como atalho, o debate toca em cadeias de suprimento de órgãos, políticas de doação e histórico de abusos, um terreno que exige transparência e regulação internacional robusta.
O veredito científico hoje é claro: não existe caminho validado para “imortalidade”, e os 150 anos continuam um limite hipotético. A conversa de Putin e Xi não deve ser lida como roteiro técnico, mas sim como barômetro político do quão estratégica a longevidade se tornou.