Big Techs Avançam na Índia, Ford e Renault Contra a BYD, China Bate US$ 1 Trilhão e IA Domina a América Latina
Bom dia! Hoje é 10 de dezembro. Neste mesmo dia, em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotava a Declaração Universal dos Direitos Humanos: um marco civilizatório que estabeleceu, pela primeira vez, direitos inalienáveis a todos os seres humanos.
Setenta e sete anos depois, novos direitos emergem no debate global: privacidade de dados, soberania algorítmica e o acesso equitativo à inteligência artificial. A pergunta que guiou 1948 permanece atual: quem define as regras do jogo, e para quem elas servem?
Microsoft investe US$ 17,5 bilhões na Índia enquanto governo quer cobrar por dados de IA
A Microsoft anunciou um investimento de US$ 17,5 bilhões na Índia até 2029, o maior aporte da empresa em um único país fora dos Estados Unidos. O foco é infraestrutura de nuvem e inteligência artificial, mas o timing não é coincidência. Quase simultaneamente, o governo indiano propôs cobrar de empresas como OpenAI e Google pelo uso de conteúdo protegido por direitos autorais no treinamento de modelos de IA. A mensagem de Nova Délhi é clara: querem o investimento, mas não serão um buffet gratuito de dados.
A Índia entendeu algo que poucos países articularam com tanta clareza: seu maior ativo não é mão de obra barata ou mercado consumidor, mas sim seus 1,4 bilhão de habitantes como fonte de dados. Cada interação digital, cada texto em hindi, cada imagem compartilhada alimenta os modelos que definirão a economia do século XXI. As Big Techs sabem disso e correm para garantir acesso privilegiado antes que a regulação se consolide. A Microsoft aposta alto; a Índia responde elevando o preço da entrada.
E a Microsoft não está sozinha nessa corrida: o Google anunciou em outubro um investimento de US$ 15 bilhões para construir um data center de IA no estado de Andhra Pradesh, enquanto outras gigantes como Apple, Amazon, Qualcomm, Nvidia, Adobe e IBM já estabeleceram presença significativa no país. Com mais de 15 mil startups de tecnologia, incluindo mais de 100 unicórnios, a Índia vem se consolidando como o terceiro maior ecossistema de inovação do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e China.
O movimento indiano cria um precedente global. Se o maior governo do mundo conseguir monetizar o treinamento de IA sobre dados de sua população, outros países (Brasil incluído) terão um modelo a seguir. A disputa não é apenas comercial: é sobre quem captura o valor gerado pela inteligência coletiva de uma nação. Até agora, esse valor fluiu quase integralmente para o Vale do Silício. A Índia quer mudar essa equação, e tem escala para forçar a conversa.
Eve Air Mobility recebe R$ 200 milhões: o Brasil na corrida pelos carros voadores
A Eve Air Mobility, subsidiária da Embraer dedicada à mobilidade aérea urbana, acaba de receber um aporte de R$ 200 milhões do BNDES para acelerar o desenvolvimento de seus eVTOLs - os chamados “carros voadores” de decolagem e pouso vertical elétricos. O investimento posiciona o Brasil como um dos poucos países do mundo com capacidade industrial para protagonizar a próxima revolução do transporte: a verticalização da mobilidade urbana.
Não se trata de ficção científica. O eVTOL da empresa promete transportar passageiros em trajetos urbanos curtos (como Congonhas ao centro de São Paulo) em minutos, sem emissões de carbono e com ruído drasticamente inferior ao de helicópteros. É a convergência de três megatendências: eletrificação, automação e descongestionamento urbano. Quem dominar essa tecnologia terá vantagem estrutural na economia das cidades do século XXI.
O aporte do BNDES sinaliza algo além do cheque: é uma aposta estratégica em soberania tecnológica. O Brasil possui, na Embraer, uma das poucas empresas ocidentais capazes de competir com chineses e americanos em aeronáutica avançada. Perder essa corrida significaria importar o futuro da mobilidade; vencê-la significa exportá-lo. A Eve não é apenas uma startup de transporte, mas é a chance do Brasil de ser fabricante, e não apenas consumidor, de uma possível (e provável) próxima infraestrutura global de deslocamento humano.
Ford e Renault se unem contra a BYD: o Ocidente reage à avalanche chinesa
Ford e Renault anunciaram uma aliança estratégica para desenvolver e produzir veículos elétricos na Europa, em uma resposta direta ao avanço avassalador da BYD e outras montadoras chinesas. O movimento marca uma inflexão histórica: duas gigantes que competiram por décadas agora reconhecem que, sozinhas, não conseguem enfrentar a máquina industrial chinesa. A parceria focará em uma plataforma compartilhada de elétricos acessíveis, exatamente o segmento onde a China está massacrando a concorrência.
Os números explicam a urgência. A China acaba de ultrapassar US$ 1 trilhão em superávit comercial anual, impulsionada pelo redirecionamento de exportações para mercados fora dos Estados Unidos (devido a guerra tarifária de Trump). Veículos elétricos são protagonistas dessa ofensiva: a BYD já é a maior vendedora de EVs do mundo e avança agressivamente na Europa, América Latina e Sudeste Asiático. Enquanto montadoras ocidentais lutavam com a transição do motor a combustão, a China construiu uma cadeia produtiva integrada - de baterias a software - que permite oferecer carros elétricos por metade do preço dos concorrentes europeus.
A aliança Ford-Renault é, ao mesmo tempo, admissão de atraso e tentativa de sobrevivência. Mas há certo ceticismo sobre sua eficácia. Parcerias entre montadoras historicamente esbarram em culturas corporativas incompatíveis, disputas por propriedade intelectual e lentidão decisória. A BYD, por outro lado, opera com verticalização radical e velocidade de startup. O Ocidente está jogando o jogo da China, mas com as regras do século XX. A pergunta incômoda permanece: é possível vencer uma corrida industrial quando seu competidor controla a pista, a fábrica de pneus e a refinaria de combustível?
IA concentra mais da metade dos investimentos estrangeiros na América Latina
Em novembro, a inteligência artificial respondeu por mais de 50% de todos os aportes de venture capital na América Latina, um marco que consolida a região como território estratégico na corrida global por IA. Startups focadas em automação, modelos de linguagem aplicados e infraestrutura de dados lideraram as rodadas, atraindo capital de fundos americanos, europeus e asiáticos. O Brasil, como maior economia da região, capturou a fatia majoritária desses investimentos.
O dado revela uma transformação estrutural no perfil do investimento estrangeiro. Até poucos anos atrás, a América Latina era destino de capital para fintechs, logística e e-commerce - setores importantes, mas de inovação incremental. Agora, o dinheiro busca a camada mais profunda da economia digital: a inteligência que automatiza decisões, prevê comportamentos e otimiza sistemas inteiros. Quem controla a IA, controla a produtividade, e os investidores estão apostando que parte dessa infraestrutura será construída no Sul Global.
A América do Sul emergiu como destino prioritário por razões estruturais: sociedades hiperconectadas com alto consumo digital, mercados ainda subdesenvolvidos tecnologicamente (o que significa amplo espaço para crescimento) e, principalmente, condições geográficas ideais para data centers sustentáveis. A abundância de energia limpa, combinada com terrenos amplos e clima favorável, transforma a região em polo natural para infraestrutura de IA que demanda consumo energético massivo - a BlackRock já identificou o Brasil como base atrativa para data centers alimentados por fontes renováveis. Projetos como o data center do TikTok no Ceará, com investimento de R$ 200 bilhões, serão abastecidos exclusivamente por energia renovável de usinas eólicas e solares construídas especificamente para esse fim, sem impacto na rede existente.
Mas há uma tensão subjacente. Boa parte desse capital vem acompanhada de dependência: startups latino-americanas frequentemente constroem sobre APIs de OpenAI, Google ou Anthropic, tornando-se revendedoras de inteligência estrangeira em vez de produtoras. O desafio para a região é capturar não apenas investimento, mas conhecimento, aproveitando a proximidade para formar engenheiros de IA, desenvolver modelos próprios e criar propriedade intelectual local. Sem isso, a América Latina será consumidora sofisticada de tecnologia alheia, e não protagonista. Os aportes de novembro são um sinal promissor; a pergunta é se serão semente de autonomia ou apenas mais uma safra de dependência.






