A Estatização dos Chips
O governo dos Estados Unidos confirmou a intenção de adquirir 10% da Intel. Trata-se de um movimento inédito: em vez de apenas oferecer subsídios, a Casa Branca estuda se tornar acionista – ainda que com ações sem direito a voto – de uma das empresas mais estratégicas do planeta. A questão que se levanta é inevitável: os EUA estão prestes a atuar como um fundo de “venture capital” estatal, comprando equity das suas próprias companhias?
Na semana passada, outro passo surpreendente: NVIDIA e AMD anunciaram um acordo que prevê o repasse de 15% da receita obtida com a venda de chips de inteligência artificial para a China diretamente ao governo americano. Em termos práticos, é quase uma taxa de exportação transformada em política de segurança nacional. Nunca se viu nada parecido no setor de tecnologia de ponta.
É importante destacar: isso não é um processo de estatização no sentido clássico. As empresas seguem privadas, independentes em sua gestão e governança. O que se desenha é um modelo híbrido, em que o Estado norte-americano garante proteção estratégica e, em troca, captura parte do valor criado. Uma forma de “blindagem” contra a influência chinesa, país onde a presença estatal no setor de tecnologia é histórica e dominante.
Agora imagine se esses movimentos estivessem acontecendo aqui no Brasil. O debate público certamente estaria centrado em questões como a criação de uma “ChipBras”, uma estatal da microeletrônica para proteger e incentivar a indústria nacional. Nos EUA, porém, a narrativa é outra: não se trata de estatizar, mas de garantir que a soberania tecnológica permaneça em mãos americanas.
O que vemos é mais do que economia. É geopolítica pura. A reorganização das cadeias de semicondutores, com governos interferindo diretamente no fluxo de capital e receita das maiores empresas do setor, marca um momento único da história recente. Os chips não são mais apenas componentes eletrônicos: são símbolos de poder, segurança e futuro. A “estatização dos chips”, em qualquer modelo que se consolide, pode redefinir a ordem mundial da tecnologia pelas próximas décadas.